A gente leva ao pé da letra… lembrando os autores e teóricos que trazem a etimologia da palavra “cultura”, que vem da raiz “cultivo da Terra”. Então se a gente faz cultura popular, já está dito, é o cuidado com o povo, com tudo o que é do povo: a fé, a saúde, a roupa, o alimento… a vida do povo.”

Mestra Nadir

Chegamos ao bairro da Liberdade, em São Luís -MA, onde conhecemos Mestra Nadir, uma grande mulher de olhar atento, pequena de tamanho e gigante de alma. Quase uma senhora, não fosse o jeito de moleca e o sorriso que abraça a gente.

Nadir nos recebeu na sede do Boi da Floresta e nos conectamos partilhados sonhos e história de vida. Luciana Meireles contou o sonho que teve com Mestre Teodoro apontando o caminho da estrada, e dizendo pra ir procurar a fonte. Pronto! O sonho estava ali sendo realizado. No olho no olho e no abraço. Nadir contou sua história, e nos guiou pelos caminhos do bairro da liberdade, apresentando mestres e mestras, alembranças do interior e das raízes do brinquedo nas comunidades rurais da baixada.

Nadir Olga Cruz, nasceu em 12 de novembro de 1964, em São Luís-MA, com família de origem em Guimarães e Cururupu, na baixada. Como criança órfã, a menina foi acolhida por Dona Jesus em uma comunidade em situação de rua na cidade de São Luís. Ainda na infância foi levada pro orfanato Santa Luzia, de freiras Franciscanas, onde foi alfabetizada, e recebeu importantes ensinamentos da vida em comunidade. De dentro do convento, ela se lembra de ouvir as batidas da brincadeira do boi na época do São João, e de sentir o desejo de conhecer a brincadeira.

Aos 13 anos foi conviver com sua tia Helena, cozinheira e moradora do bairro da Liberdade, foi quando decidiu participar das danças e brincadeiras do São João, indo de encontro a Mestre Apolônio e o boi da Floresta. Chegou para participar de um ensaio, aprendendo a dança das índias, com Dona Simoa, Dona Lélis e Dona Neuza, e nunca mais saiu de perto do barracão.

Já na sua chegada, percebeu que as funções de liderança e comando dentro do boi eram todas ocupadas pelos homens, mas por ser uma comunidade quilombola, majoritariamente de pessoas negras e excluídas dos espaços formais de educação, ela ganhou lugar de destaque por já dominar a leitura e a escrita. Na sua iniciação como brincante, colaborou na organização de um cadastro de integrantes do grupo e também costurando e enfeitando as indumentárias. Tornou-se secretária do grupo, organizando a produção das apresentações e agendas. Passou a conviver com os mais velhos ouvindo suas histórias, e com os mais jovens compartilhando os aprendizados.

Na brincadeira do boi, Nadir encontrou um caminho de vida, de reencontro com sua origem, e se encantou pela vida comunitária e o sentimento de coletividade presente na tradição do Bumba Meu Boi. Com o incentivo de Mestre Apolônio, Nadir se graduou em Turismo, e hoje coordena o grupo e os projetos socioculturais desenvolvidos na sede, repassando o que aprendeu às novas gerações, e nos ensinando sobre o fundamento do cuidar das pessoas e da comunidade enquanto um pilar estruturante da cultura popular.

Fundado há 50 anos, o Boi da Floresta nasceu da ideia de Apolônio Melônio, um dos brincantes de Bumba meu boi mais conhecidos do Maranhão, grande amigo de Mestre Teodoro. Durante seus 96 anos de vida, teve a experiência e vivência na fundação de vários grupos de bumba boi no estado do Maranhão, até fundar seu próprio grupo. O Boi da Floresta é originário de São João Batista, cidade localizada na região da Baixada Maranhense, sendo conhecido como sotaque da Baixada. Traz como estilo e vestimenta os chapéus bordados e enfeitados de pena de ema, o personagem do cazumba e outros seres encantados da mata, com um ritmo mais cadenciado e lento. O grupo tem 120 brincantes divididos em atores mascarados, bailantes e cantadores. O grupo ainda desenvolve um trabalho de formação com crianças e adolescentes, no barracão da sede, comunidade do quilombo urbano da Liberdade.

O dia em que brinquei na rua da liberdade…

Por Luciana Meireles

Aconteceu assim, o que eu procurava me encontrou. Num fim de tarde de domingo, reunidos em roda na porta da sede do Bumba Meu Boi da Floresta, no bairro da liberdade, em São Luís do Maranhão, o maior quilombo urbano da América Latina. De um lado uma igreja evangélica, do outro uma casa de Tambor de mina, e na frente o barracão da brincadeira de Mestre Apolônio.

Encontrei com a encantaria da onça brincando junto de um boi, um olho d’água minando no fundo do quintal, e a maestria de uma mulher comandando uma brincadeira comunitária.

O poder de seguir uma intuição, um sonho, um desejo, e encontrar com os símbolos que me chamaram vivos e brincantes dentro de uma tradição enraizada na memória de um povo.

Sentimento de chegar na festa dos parentes pra compartilhar o melhor de mim. Não da pra descrever aqui o quanto foi libertador sentir esse poder… e compartilha-lo.

Na companhia de uma bateria de capoeira de angola puxada só por mulheres, com um público brincante em roda, jogando, improvisando e mandingando junto! Voei alto! Sozinha e em bando!

Brincar junto é fazer revolução e a alegria é a nossa trincheira!”

As fotos são do fantástico @leandro.valente