No dia 25 de Outubro a Caravana Griô chegou ao seu último destino: São Sebastião, visitando a griô Santina da Silva Gonçalves.

Chegamos em sua oficina de costura por volta de 14h30, onde ela já nos esperava com expectativa.

Conversarmos muito a vontade, todos nós parecíamos conhece-la há anos, suas histórias fluíram como um algodão fiadao em uma roda de fiar e no final do dia tínhamos uma história inteirinha tecida que agora nos cabe contar…

Lá no interior da Bahia em Coribe nasceu uma guerreira que com 1 ano e dois meses de idade sofreu um acidente que marcaria a dor em sua vida. Naquele tempo, naquela região o povo tinha uma mania de varrer o quintal todinho, juntar as folhas e colocar fogo. A menina que estava aprendendo a andar solta pelo quintal ficou presa em um desses montinhos de fogueira de folha, a menina só resmungou e a mãe, que costurava dentro de casa, achou que era brincadeira das irmãs demorou para entender que aquele resmungo era na verdade um choro de dor, quando chegou no quintal pegou a menina em seus braços e percebeu que seus pezinhos já estavão cozidos… Naquela época, naquela região carecia muito de tratamento e por isso a mãe tratou com o que podia e tinha ali na roça.

Depois do acidente a menina sofreu alguns desmaios e um dia foi dada por morta durante 3 minutos, mas sua força a trouxe de volta ao mundo e por isso a chamaram Santinha ou Santina, a menina que voltou a viver.

Assim ela cresceu ali na roça ¨pisando na dor¨, ajudando os pais e os outros 10 irmãos na roça e nos serviços de casa. Entre os 9 e 11 anos ela aprendeu os primeiros bordados de ponto cruz com a tia que era uma bordadeira de mão fina e as costuras à mão aprendeu com sua mãe que costurava toda a roupa da família, pontinho por pontinho. Santina conta que muitas vezes o algodão era plantado, colhido, descaroçado, fiado e tecido tudo ali mesmo no pedacinho de terra da família.

Aos 16 anos ela que já sabia ler e escrever resolveu ensinar as outras crianças que ali viviam, porque naquela época quem tinha 7 filhos era pouco, em baixo de uma árvore com um quadro e giz improvisados ela ensinava o pouco que sabia aos outros, até que um dia passou um carro por aquela região era um candidato a prefeito que a chamou e a perguntou se ela gostaria de ir à cidade fazer um curso para poder ensinar na escola, ela disse que gostaria, mas que primeiro tinha que perguntar pra sua mãe. Voltou pra casa e sua mãe disse que não seria bom ela ir porque seria difícil ficar sem ela ali na roça, mas o moço também demorou dois anos pra voltar, mas quando ele voltou ela foi junto com sua cunhada, fizeram o curso em uma semana e na outra já eram professorinhas em uma escola da região. Lá Santina lecionou por 7 anos, nesse período arrumou um namorado que já morava no Distrito Federal e que de mês em mês ia até Coribe visitar a moça. Foram dois anos de idas e vindas, até que deram entrada nos papéis pra oficializar o casamento, porém os papéis com a autorização demoraram por demais pra sair e quando o moço já ia desistir… o desistino tratou de desenrolar e os papéis ficaram prontos e em uma semana o casamento foi preparado. E por isso a moça que fazia enxovais bordados pra todo mundo naquela região num teve tempo de fazer o seu próprio, mas tudo foi festa e essa união está consolidada há mais de 30 anos, gerou 3 filhos que geraram 6 netos.

Ali mesmo no interior da Bahia Santina comprou a sua primeira máquina de costura, ela mesma negociou a compra o que deixou o esposo muito zangado porque o valor dessa máquina equivalia a 3 vacas. O marido mandou devolver ela firmou o pé e disse que sem a máquina ela também num ficaria mais naquela casa. Ele teve que baixar a cabeça e acolher a decisão da mulher e foi essa máquina que tornou Santina a grande mulher que é hoje. O porque eu vou explicar…

Foi com essa máquina que Santina teve a coragem de mudar os rumos de sua vida se mudando com os filhos para São Sebastião no Distrito Federal , deixou lá na Bahia o seu pedacinho de terra por segurança, caso aqui num desse certo ela e sua família teriam pra onde voltar. Mas com sua máquina ela começou fazendo consertos, costurando, bordando todos os dias e foi assim que ajudou no sustento da casa e criou os filhos. Todo mundo sabe que viver da arte não é fácil, mas todo mundo sabe que ninguém vem à essa terra pra sofrer e que ninguém passa por ela sem sofrer.

Por toda sua história de vida em 2010 Santina foi reconhecida uma mestra do mundo pelo Ministério da Cultura, com o dinheiro que ganhou pode reformar sua oficina de costura, sonho que já era antigo. Santina é essa mulher guerreira que durante toda a sua vida nunca deixou de pisar na dor, mas nunca deixou de confiar e sorrir, ela é uma griô porque gosta de ensinar suas artes e está sempre disposta a aprender algo novo, é uma simpatia em pessoa e sobre a fineza de seus bordados não dá pra falar tem que ver pra crer a perfeição que é…

Já no dia 26 de Outubro fomos ao Centro educacional de São Sebastião onde realizamos as vivências junto com Santina em duas salas de aula com estudantes do Segundo Ano do Segundo grau, onde todos participaram de uma forma envolvedora e encantadora. Junto com eles cantamos músicas trazidas por nós e duas recordadas por Santina que são:

 

Olê mulher rendeira

Olê mulher rendá

Tu me ensina fazer renda

Que eu te ensino a namorar

 

Lá em cima daquela serra

tem um pilãozinho de bronze

é sinal que meu amor

quer falar comigo às onze

 

Olê mulher rendeira

Olê mulher rendá

Tu me ensina fazer renda

Que eu te ensino a namorar

 

(música que a mãe da Santina gostava de cantar enquanto fiava o algodão)

 

E uma música de samba de roda

 

Arriba a saia neném,

Num deixa a saia molhá

a saia custou dinheiro

e dinheiro custo ganhá…

 

Nas duas vivências Maria de Barro contou a história de vida de Santina fazendo que mais de 90 estudantes passem a conhecer um pouco da história dessa mulher brasileira e guerreira.

 

à benção Santina!

Viva Santina!!!

Viva São Sebastião!!!

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